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Desenvolvimento da Aula

2. Introdução

2.1. Continuação

Questões relativas ao corpo, embora presentes no mundo acadêmico, estão longe de serem esgotadas. Apesar de estudos abordarem, sob os mais diversos olhares, algumas perspectivas sobre o corpo e o processo de construção corporal, ainda sim podemos encontrar lacunas nesse objeto de estudo tão rico e difundido nas mais diversas áreas de conhecimento.

Uma das abordagens possíveis para esse objeto, e já realizada em alguns âmbitos, é a sua imersão na chamada cultura do consumo e as consequências desse processo nas relações da sociedade contemporânea da qual fazemos parte. O corpo é um dos objetos que assume valores simbólicos relevantes na atualidade, despertando grande interesse das pessoas e da mídia, podendo ser interpelado, também, pela lógica da cultura do consumo.

Segundo Le Breton (2006), o corpo é o vetor semântico pelo qual a relação do indivíduo com o mundo é construída, o que ocorre por meio do contexto cultural e social em que o indivíduo se insere. Dentre essas relações, encontramos atividades perceptivas, mas também expressão de sentimentos, cerimoniais de ritos e de interação, conjunto de gestos e mímicas, produção da aparência, jogos sutis da sedução, técnicas do corpo, exercícios físicos, relação com a dor e com o sofrimento. O corpo produz sentidos continuamente e, assim, insere-se ativamente no interior de dado espaço social e cultural.

“Antes de qualquer coisa, a existência é corporal” (Le Breton, 2006, p. 7).

O que poderia ser chamado genericamente de corpo ocidental encontra-se em plena metamorfose na Pós-modernidade. Não se trata mais de aceitá-lo como é, mas sim de corrigi-lo, transformá-lo e reconstruí-lo. Um forte imaginário contemporâneo de muitos busca nos corpos, assim com em outros objetos, uma possível verdade sobre si mesmo que a sociedade parece não conseguir mais proporcionar. Assim, na falta de realizar-se em sua própria existência, procuram realizar-se por meio de seus corpos.

É possível observamos que, nas últimas décadas do século XX, houve um crescimento de interesse por essa temática. Muitos teóricos como Michel Foucault (1987), Jean Baudrillard (1995) e Marcel Mauss (1974) fizeram, por seus trabalhos, uma análise extensiva sobre as relações que a cultura estabelece com o universo do corpo e como um novo sistema de valores culturais corporais se desenvolve de forma a naturalizar as desigualdades econômicas, políticas e culturais.
As análises apresentadas por esses autores podem ser facilmente observadas no contexto da Pós-modernidade em que indivíduos são incentivados a manter formas corporais que constituem simulacros aparentemente possíveis, mas, na verdade, nunca completamente atingíveis. Tudo o que é condição do corpo real (os efeitos degradantes do tempo, as formas naturais, a exposição a enfermidades, o fator genético e hereditário) parece ser negado e omitido. Há, com isso, a garantia do surgimento contínuo de novas demandas de consumo e novos mercados: cosméticos e farmacológicos para combater os sinais do tempo, alimentos dietéticos, espaços para a prática de exercícios, serviços médicos, entre outros. Aqueles que se recusam ou que se veem impossibilitados de participar desse esforço pela boa forma (consumidores falhos) são, muitas vezes, submetidos a estigmas que reforçam um sistema de poder sobre o corpo

A década de 1960 é um marco na relação do indivíduo com os outros e com o mundo (Sant’Anna, 2007).

Ampliam-se consideravelmente essas relações por meio do feminismo, da revolução sexual, da expressão corporal, do body-art e da emergência de novas terapias, proclamando a ambição de associar-se somente ao corpo. Um novo imaginário luxuriante invade a sociedade, e nenhuma esfera das relações sociais sai ilesa das reivindicações que se desenvolvem com relação à condição corporal. Passa a existir o distanciamento do próprio corpo e dos próprios desejos rumo a uma busca insaciável cuja imagem corporal e cujo desejo são impostos compulsivamente por interesses financeiros. Quando o real do próprio corpo se faz visível, este parece ser desconsiderado, precisando ser transformado pela plástica, lipoaspiração, tatuagem, piercing, exercícios físicos vigorosos, remédios e anabolizantes, para que o indivíduo forje uma relação de reapropriação de si e de seu corpo, ainda que o faça segundo o modelo da propriedade de bens, modelo tragicamente incompatível com qualquer intimidade. Temos a classica anedota:

--Este seio é mesmo seu?
--Claro que sim, eu o comprei.