Para esquentar mais essa discussão, vamos ler um texto a respeito do que aprendemos na escola:
Por que a escola nos azucrina, ensinando coisas que jamais usaremos?
Max Gehringer
Como a maioria dos leitores desta coluna, eu também fui arrancado um dia da frente da TV e confinado, apesar de protestar inocência, em uma organização correcional chamada “escola”. Essa foi a maneira de meus pais demonstrarem a que limites de crueldade poderia chegar o que eles chamaram de “preocupação com o futuro dos filhos”. Mas o maior choque, mesmo, veio depois, quando eu e meus novos coleguinhas de infortúnio fomos informados de que ali, naquelas desconfortáveis carteiras, nós teríamos de passar os próximos 15 anos de nossa vida! Nunca pensei que o futuro pudesse ficar tão longe...
Meu pai bem que tentou me convencer de que haveria uma recompensa à altura para tanto sacrifício: a partir do momento em que eu botasse os pés na escola, ele disse, eu teria acesso a informações importantíssimas - como, por exemplo, os nomes das capitanias hereditárias e de seus respectivos donatários - sem as quais seriam mínimas as minhas chances de escapar das emboscadas do futuro.
Para minha surpresa, nem três meses se passaram e eu já dominava duas habilidades que me seriam de grande utilidade pela vida afora: ler e escrever. Foi aí que eu comecei a desconfiar que todas as outras picuinhas que compõem o dito “cabedal de conhecimento”...
1. Estariam disponíveis em qualquer lugar, desde que a gente soubesse ler.
2. Poderiam ser terceirizadas, desde que a gente pudesse pagar.
3. Não interessavam.
Convicto de que já sabia o suficiente, decidi voltar para casa e me dedicar a coisas de pertinente interesse, como passar o dia jogando bola e devorando salgadinhos. Ledo engano: meus pais ficaram uma arara (digo, 2 araras) e me mandaram de volta. Tal reação intempestiva me levou a desconfiar que eles até já haviam feito um acordo secreto com as escolas, pelo qual eu ficaria enclausurado por mais 14 anos e 9 meses, tempo suficiente para a prática dos papai-e-mamãe matinais sem um enxerido por perto.
Voltei a contragosto, mas, verdade seja dita, devo reconhecer que as escolas empregaram a nata de sua criatividade para conseguir me manter ocupado por tanto tempo. Foi o caso das aulas de português, que me davam a impressão de estar no pronto-socorro de um hospital: “Isso é um anacoluto ou uma catacrese?” – a professora me perguntava. Eu sei lá, mas, por via das dúvidas, sugeria que ela amputasse a mesóclise para evitar uma cacofonia mais séria.
Matemática foi outra matéria que transmitiu ensinamentos vitais para a minha futura carreira profissional, como a extração sem dor da raiz quadrada. Eu era meio ruim de conta, mas quando estava na terceira série, às voltas com uma tabuada e questões de crucial importância (“Joaquim tinha 18 bananas: deu um terço delas para Marta e metade da diferença para Beatriz...”), caiu-me nas mãos um prodígio tecnológico: a calculadora. Com ela, nunca mais os joaquins teriam dificuldades para repartir suas bananas – mas o que foi que a escola fez? Proibiu o uso das calculadoras na classe! Porque, por uma lógica pedagógica além da minha compreensão, se eu tivesse uma calculadora para facilitar minha vida, eu “iria ficar preguiçoso, e isso iria prejudicar o meu futuro”.
Apesar dos pesares, concluí minha formação básica e já estava pronto para encarar uma “facu” – ou seja, faltavam apenas 4 anos para eu terminar de cumprir a minha pena e ser solto no mercado de trabalho – quando fui informado de que, no futuro, nada era assim tão simples. Eu antes precisaria fazer um cursinho porque as coisas que seriam perguntadas no vestibular não eram exatamente as que eu tinha aprendido nos 11 anos anteriores. Se entendi bem, nas universidades os joaquins precisavam desvendar os segredos da tábua de logarítmos para poder distribuir suas bananas. Se as bananas apodreceriam antes disso, o problema era dos joaquins, e não do sistema educacional.
Uma coisa que me chamou a atenção no curso, por assim dizer, superior, foi que lá fora, no mundo que estavam me preparando para conquistar, começou a proliferar uma engenhoca chamada microcomputador (com 16k de memória). Mas só lá fora, porque ali na “facu”, eu desconfio, o lobby dos fabricantes de lápis e canetas era muito poderoso. Quando meu professor descobriu que eu estava fazendo um curso paralelo de Lótus 1-2-3, ele ficou possesso e, como castigo, me fez resumir, em 2 páginas, toda a obra de Keynes. Que, acredito, era capaz de explicar em apenas 2 parágrafos.
Quando finalmente pensei que seria libertado, fui comunicado de que haveria uma extensão de minha pena, um troço chamado “pós”, sem o qual eu não conseguiria desembarcar no futuro. A diferença entre a “pós” e o curso de graduação foi que na “pós” eu tive de dissertar sobre a obra de Keynes numa monografia de 500 páginas – o que significava que ele, além de prolixo, agora precisava da minha ajuda para explicar melhor seus conceitos econômicos.
A “pós” mudou meu status de neoprofissional do futuro, porque dali em diante eu estaria autorizado a apelidar meu período escolar de “background acadêmico”, o que já garantiu meu primeiro estágio. A empresa, uma potência ávida por “inserir os novos talentos potenciais no ambiente participativo”, me chamou para assistir a uma reunião. Fiquei impressionado, porque o pessoal ali falava de coisas como “fisiologia da informatização plena” assim como quem pede um picolé de morango. E eu lá quietinho...
Até que um diretor da empresa resolveu me “dar uma oportunidade para compartilhar a vasta teoria” que eu havia adquirido. Era minha grande chance, mais cedo do que eu pensava, de pavimentar a estrada do meu futuro. Abri minha pasta, tirei a lista das capitanias hereditárias, uma coleção de anacolutos, a tábua de logarítmos, algumas raízes quadradas em bom estado e meu calhamaço keynesiano, e fiz aquela cara de quem havia acabado de conseguir o visto de residência permanente no futuro. E então o diretor da empresa me perguntou:
-Você considera viável desenvolvermos um software que nos permita monitorar nosso footprint de logística integrada, ou seria melhor partirmos para um network on line de franquias comerciais setoriais?
E eu, obviamente, do alto de meu insofismável cabedal, respondi sem hesitar:
- Veja bem, vamos supor que Joaquim tenha dezoito bananas...
Após ler o texto, vamos pensar no seguinte: