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Desenvolvimento da aula

Site: Instituto Multidisciplinar de Formação Humana com Tecnologias
Curso: Estudos do Corpo: Cultura, Sociedade e Práticas Pedagógicas - TURMA 1 - TURMA 2 - TURMA 3
Livro: Desenvolvimento da aula
Impresso por: Usuário visitante
Data: quarta-feira, 27 nov. 2024, 01:30

Descrição

Desenvolvimento da aula













Introdução

Nesse sentido, convido a leitura de um trecho de um artigo escrito na revista “Pensar a prática” em que podemos desenvolver reflexões interessantes sobre o culto ao corpo, os controles sociais, o consumo e a sociedade atual. Aliás, sobre nós mesmos. 

Título: Atividade física e saúde: discursos que controlam o corpo

Elaine Melo de Brito Costa

Silvana Venâncio

Revista Pensar a prática, v. 7, n. 1 (2004)

Em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/view/66/2685

O corpo saudável aos olhos da mídia

Atualmente, é mister perceber a pluralidade que envolve o corpo a partir dos avanços tecnológicos advindos de redes de computadores, a presença marcante da mídia e as transformações corporais causadas por horas desenfreadas de atividade física, anabolizantes, implantes, cirurgias plásticas, lentes de contato, próteses e medicamentos...

Para SANTANA (2002), corpo, tecnologia e mundo trocam suas experiências, por isso são caracterizados como sistemas abertos. A constante troca entre estas três dimensões favorece suas próprias modificações. Complementando esse pensar, CARDOSO (1997) aborda que enquanto se discute, de um lado, o “desaparecimento” do corpo nos espaços virtuais, de outro, a mídia o torna fortemente presente. Sem entrar nesta questão, pode-se dizer que hoje, de fato, ele está bastante exposto e exaltado em suas formas, motivo pelo qual seu poder ressalta sua base biológica e fisiológica.

 

A biologização do corpo ganha manchetes de jornais, revistas, outdoors, anúncios de TV. Nelas se reproduzem os discursos da saúde, atividade física, moda, dieta, cirurgias plásticas... Como trata SANT’ANNA (2000, p. 81) “mais sutil e difuso do que um poder que reprime e aliena, há exercícios de poder em que o corpo, em vez de ser maltratado, é adulado, e em vez de ser negado, é colocado no centro das atenções, das problematizações médicas, dos questionamentos da mídia e da cultura”.

Nas academias de ginástica, calçadões e clubes são explícitas a exposição e a busca de um corpo padrão presente na mídia: saudável e belo. Essa realidade é reflexo de programas de televisão, Internet, revistas masculinas e femininas que criam a cada dia um estereótipo do “corpo em forma”. Corpo que propaga “saúde” e beleza padrão, vende um ideal “atingível” por meio de atividade física, dieta, lipoaspiração, implante de silicone etc. Daí, o crescimento quantitativo de academias de ginástica, produtos dietéticos, cirurgias plásticas...

A saúde, revestida no discurso da beleza, ludibria as pessoas tornando-as compulsivas, muitas vezes. Elas “correm” para a atividade física, pois aí está a salvação, como foi no século XIX. O pior é que o efeito pode ser contrário! O encontro com profissionais de Educação Física costuma reforçar o mesmo discurso de controle do corpo na relação: atividade física e saúde/beleza.

Recentemente, o corpo desfrutou de uma reversão de valores que se inicia com a ascensão na cultura de consumo e um lugar na crescente era tecnológica e informatizada, gerando significados sociais (WILLIAMS E BENDELOW, 1998). O corpo na modernidade é convocado pela mídia e pelas relações de consumo para vender estilos de vida saudáveis, como nas propagandas da eterna jovialidade, a erotização do corpo e o sexo desenfreado que produzem a compulsão e a “escravidão” da atividade física.

Corroborando os autores supracitados, FEATHERSTONE (1996) afirma que se forja um ambiente para as pessoas se verem envolvidas pelo consumo do corpo (acréscimo nosso). Desencadeia-se uma relação de “dominação” na busca pelo produto desejado (corpo saudável) e, consequentemente, criam-se estilos de vida pouco naturais. É a fome de consumo, do “querer mais” atividade física. Desconsideram-se os limites do próprio corpo para torná-lo mais musculoso, viril, sensual, esbelto e jovem. Características de saúde para a mídia. Luta-se por uma inclusão num grupo em que as pessoas detenham tal perfil para trazer-lhes benefícios sociais, pessoais e profissionais, e ainda revelar o nível sócio econômico.

Continuação

                            Como permanecer jovem, atlético ou retardar o envelhecimento numa sociedade de culto ao corpo? A indagação gera uma necessidade de encontrar meios como resposta e que, ao mesmo tempo, rompam com as limitações do corpo. Esse sentimento acontece juntamente com a valorização atribuída aos produtos e às técnicas para “ser ou ter” um corpo belo. Além disso, corpos “sarados, turbinados” (termos vigentes na mídia como sinônimos de saúde e beleza) promovidos com os discursos da atividade física e saúde interessam à economia, ao padrão moral e ao discurso científico de cada época.

                                                     
Percebe-se atualmente significados sociais semelhantes: saúde, bem-estar, juventude e beleza. Tais significados são assimilados, frequentemente, por influência da mídia e da indústria comercial. Elas investem em publicidade para vender “receitas para a saúde”, objetivando tornar o corpo um artigo de comercialização. O principal local de “venda” deste produto acaba sendo as academias de ginástica, os clubes e até mesmo a escola.

  

 

Devemos estar atentos, pois o corpo, hoje, é manuseado pelos avanços biotecnológicos. Eles são mais rápidos e imediatistas se comparados à atividade física. Além disso, garantem status. A atividade física torna-se um instrumento auxiliar da biotecnologia que mantém a forma do corpo “esculpido”. O “corpo em forma” passa a integrar o estilo de vida de muitas pessoas, consoante suas crenças, nível socioeconômico e cultural. Ele significa “saúde” para jornais e revistas cujas reportagens tratam o emagrecimento, exercícios físicos, dietas e o corpo “ideal”. Os meios de comunicação de massa estão sempre apresentando, genericamente, dicas e receitas para a meta do corpo perfeito. As reportagens abordam variados assuntos: valor calórico da alimentação, tipos de exercícios físicos, cosméticos, queima calórica em diferentes atividades diárias e outros produtos e serviços.

Recentemente, o programa Globo Repórter (setembro de 2003) apresentou entre as reportagens uma avaliação sobre o gasto calórico em atividades cotidianas como lavar carro, louças, brincar com os filhos, entre outras. As atividades domésticas foram compreendidas como atividade física e enaltecidas pela perda calórica. Porém, outros aspectos como prazer, orientação postural e sociabilidade não foram mencionados.

 


Mas, qual a relevância disso? O importante é o consumo calórico para promoção de saúde. Será mesmo?!

A patologia da modernidade nesse contexto é a colonização do “mundo vivido” pelo “mundo sistêmico”, na expressão de HABERMAS (1989). Verifica-se a superposição da ação técnica da mídia, da utilização de meios, tais como propagandas de ginástica, cirurgias plásticas, dietas etc., com o intuito de determinar o consumo de uma imagem ideal (saudável/bela), socialmente reconhecida, em que impera o sistema econômico e político.

A mídia, de forma massificada, induz muitas vezes a ressaltar a imagem do corpo saudável e belo, como formas de constituir a identidade. É um retorno à vivência da “era narcisista”, valorizando a imagem corporal da jovialidade, beleza e saúde. Talvez, em razão de uma liberdade limitada, os indivíduos tornem-se mais prisioneiros de uma aparência programada e descartável.

Neste sentido, SILVA (1999) vem corroborar esta reflexão afirmando que a economia de mercado articula meios eficazes e sutis de dominação em que, através de seus artifícios de manipulação de massa, faz desaparecer a consciência da dominação naqueles que são dominados.

Continuação

                            Foucault (1998) identificava que o biopoder é elemento principal de desenvolvimento do capitalismo. Para ele, o biopoder requer um grande investimento do poder sobre os corpos, em que saúde, bem-estar, higiene, sexualidade são transformados em preocupações básicas para controle ou disciplina dos indivíduos:

o exercício do biopoder, por exemplo, pode ser sedutor, chegando a legitimar a importância do corpo e a defender sua saúde e bem-estar. Tudo se passa como se na esfera do biopoder fosse necessário falar e se preocupar cada vez mais com o corpo para melhor controlá-lo (SANT’ANNA, 2000, p. 81, 82).

                                                             
Quanto mais próximo o corpo estiver da imagem ideal, mais alto será seu valor e poder. Daí a ação do sistema econômico e político. O mundo dos atletas esclarece a discussão. Os atletas adequados ao perfil da mídia, patrocinadores e dirigentes possuem maior aceitabilidade social, poder e retorno financeiro. Todos ganham: atletas, clube, mídia, multinacionais. Os espectadores são consumidores em potencial do uniforme dos atletas, logomarcas e imagem corporal (penteados, cortes de cabelo). A atividade física é chamada para reproduzir diversos corpos numa mesma imagem: a do atleta que está na mídia.

   

É a aparência do corpo, no discurso da saúde, que dita, geralmente, o caminho em busca de poder e status. A aparência detém o controle social, político e econômico. Consequentemente, esta realidade influencia as relações sociais, pois o corpo preconizado como “saudável/belo” é requisito para a inserção dos indivíduos num grupo determinado. E ademais, revela muitas vezes o nível socioeconômico comprovado pela transmutação do corpo a partir de aulas em academias de ginástica acompanhadas de personal training, cirurgias plásticas, uso de anabolizantes e implantes de silicone.

A cirurgia plástica (estética), anteriormente, era uma prática que indicava o envelhecimento do corpo. Algo inadmissível numa sociedade que “vende” e consome jovialidade. O quadro mudou. Afilar nariz, retirar rugas, fazer lipoaspiração, implantar silicone atingem as diversas faixas etárias. O desejo desenfreado de modificar-se corporalmente é preocupante, quando se perde ou se desconsidera a noção ética.

O corpo pode então, construir, ser construído e alterado a partir do contexto sociocultural influenciado também pela mídia. Como afirma CARDOSO (1997, p.3):

[...] nossa aparência física é, em grande parte, culturalmente programada. A aparência que hoje ostentamos é de algum modo aprendida. Conformamos e adaptamos o corpo segundo padrões sociais estabelecidos, aprendemos a nos movimentar e a nos posicionar, de acordo com circunstâncias socialmente determinadas.

Construir, modificar o corpo... Nesse propósito, a transmutação do corpo, respaldada na biotecnologia é, de fato, um advento inegável da modernidade. Estejamos atentos que outrora ao discutir sobre o corpo, retornava-se principalmente a Descartes para abordar o binômio dualista mente/corpo, matéria/espírito. Sem desconsiderar a importância desse referencial teórico, como ponto de partida para o avanço nesta discussão, é oportuno ressaltar que atualmente as reflexões dessa temática atingiram dimensões talvez inimagináveis. CARDOSO (1997) afirma que o corpo agora é uma transmutação biotecnológica.

Assim como esse autor, este estudo ao refletir sobre transmutação do corpo, também considera o termo cyborg, criado por Manfred Clynes, em 1960, para designar um organismo cibernético. Essa terminologia refere-se à relação entre o organismo e a máquina, atribuindo-se ao corpo uma dimensão de transformação constituída de aspectos biológicos e artificiais, inatos e adaptados pela técnica. A nova dimensão tecnológica do corpo traz consequências para a sua natureza e seus próprios limites. Acrescenta CARDOSO (1997, p.10): a figura do cyborg nos ajuda a compreender o cenário que procuramos compor: juntar mitos e ferramentas, representações e realidades encarnadas. Talvez uma das marcas que distinguem nossa época, o fato de a tecnologia estar realizando antigos sonhos da humanidade. No caso do cyborg deve-se considerar que sua existência, além de realizar algumas destas junções, desfaz antigos conceitos, produzindo compreensões inesperadas.

É nessa relação que também se revela a fragilidade da identidade humana ao crer que manter o “corpo em forma” significa melhor aparência física, saúde, bem-estar e beleza. Vive-se entre a imagem real e a imagem ideal! As imagens em capas de revistas, outdoors, embalagens de cosméticos etc. são de pessoas esbeltas e olhos brilhantes, corpos quase despidos, vestidos com roupas de ginástica ou biquínis.

A imagem corporal do obeso, contrária à imagem ideal, é constantemente estigmatizada e serve de motivo de risos e deboche, como no filme O Professor Aloprado. Vale lembrar a ideia de SOARES (1998, p.18) sobre a educação do corpo, no tocante à ginástica: “os corpos que se desviam dos padrões de uma normalidade utilitária não interessam”. A ideia da autora refere-se ao século XIX, no entanto, tal afirmação ainda é atual no século XXI quando pessoas que fogem do padrão vigente chegam às academias de ginástica ou escolas já “seduzidas” pela urgência de emagrecer com atividade física para serem saudáveis.

Os corpos “diferentes” só interessam à mídia, academias de ginástica e clubes como o mau exemplo. A partir deles faz-se a propaganda “terrorista”. Com isso, vendem-se mais roupas esportivas, receituários de emagrecimento e aumenta-se o número de adeptos à atividade física. É preciso reforçar que o corpo magro ou musculoso não é exemplo maior de saúde. Estejamos atentos aos casos de anorexia e usuários de anabolizantes.

O avanço tecnológico propiciou aos indivíduos utilizar este progresso como recurso estético relacionado à saúde, satisfazendo os desejos de diminuir barriga, eliminar celulites, gorduras localizadas, aumentar ou diminuir seios, e ainda atingir o padrão de beleza. A intenção da mídia, operacionalizada nas academias de ginástica, escolas e centros cirúrgicos, é estabelecer uma aparência unificada, como se fosse possível uma vida saudável homogênea.

Os implantes de silicone e a lipoaspiração retratam a imagem “enlatada” da mulher norte-americana no Brasil. Os recursos cirúrgicos foram associados à biotecnologia para alterar forma, tamanho, composição do corpo e consequentemente atender ao interesse da saúde/ beleza feminina. Para LÉVY (1998), estes implantes e as próteses confundem o limite entre o mineral e o vivo: óculos, lentes de contato, aparelhos ortodônticos, marca-passos, aparelhos auditivos, filtros externos funcionando como rins sadios etc.

Enfatiza-se que este estudo não busca visualizar a transmutação do corpo apenas como um recurso estético, mas chamar à atenção deste artifício como elemento de interesse social, político e econômico. O entrelace da biologia com a tecnologia possibilita também um tempo maior de vida e melhor condição de saúde a partir de transplantes de órgãos, marca-passos, próteses e outros, desde que não se perca a questão ética.

Continuação

Em busca da imagem ideal assume-se e almeja-se, explicitamente, as técnicas que transformam o corpo. Forma-se paulatinamente uma legião de “cyborgs”. Provavelmente, os personagens de Matrix e de Gattaca já saíram das telas do cinema,  da ficção científica e apresentam-se como uma realidade, pois os avanços biotecnológicos possibilitam a manipulação e transformação dos corpos.

                              Estes personagens já existem no esporte de alto nível, presentes e crescentes em cada olimpíada. Os atletas submetem-se a procedimentos anabólicos para atingir resultados e superar seus limites corporais desprovidos de atitude ética. O corpo é manipulado para alcançar o pódio, através do discurso em que se proclama: esporte é saúde. O interesse é outro: poder, status e dinheiro. O contexto é crítico à medida que a beleza do esporte passa a ser controlada pelos interesses sociais, políticos e econômicos.

Recorre-se então à ciência. De um lado, ela busca desenvolver exames antidoppings mais eficientes; de outro, procura meios de aperfeiçoar os tipos de doppings existentes para que também não sejam identificados. E assim o corpo é violentado por um ideal que, geralmente, não pertence ao atleta e sim à economia do país, aos patrocinadores e aos meios de comunicação de massa. O atleta é ingênuo? Aparentemente não, na verdade, ele é livre para decidir ser “escravo” e “vender saúde” com a própria imagem.

O corpo está sendo transformado a partir de práticas sociais, culturais e tecnológicas. O ser humano modifica seu modo de viver, que sustenta a validade de sua imagem corporal e suas práticas originais. Mas, ressalta-se que as mudanças e transformações envolvendo a compreensão do corpo, atualmente, estão sendo focalizadas pelas interações socioculturais, históricas e biotecnológicas.

O corpo na modernidade é destaque. As informações sobre ele crescem a cada dia. Vive-se o momento em que o corpo tem sido conscientemente explicitado, modificado, polemizado, explorado e comercializado. A mídia, especificamente, passa a propaganda da vida homogênea e uniforme a partir de um corpo esbelto e saudável, através da atividade física.

A singularidade de cada indivíduo não pode ser esquecida, tampouco industrializada e massificada, “vendida” em academias de ginástica, spa, clubes e escolas. Isso seria a perda da identidade humana, enquanto ser corpóreo em sua essência e existência.