Ir para o conteúdo principal
Livro

Desenvolvimento da aula

Desenvolvimento da aula

1. Oralidade e escrita no contexto das práticas sociais

Luiz Antônio Marcuschi

Hoje, é impossível investigar os fenômenos da “oralidade” e da “escrita” sem uma referência direta ao papel dessas duas práticas na civilização contemporânea. De igual modo, já não se podem observar satisfatoriamente as semelhanças e diferenças entre oralidade e escrita sem considerar a distribuição de seus usos na vida diária.

Assim, fica difícil, se não impossível, o tratamento das relações entre a fala e a escrita centrando-se exclusivamente no código. Mais do que uma simples mudança de perspectiva, isso representa a construção de um novo objeto de análise e uma nova concepção de língua e texto, agora vistos como “práticas sociais”.

A escrita, como prática social, tem uma história rica e multifacetada (não-linear e cheia de contradições) (...) Numa sociedade como a nossa, a escrita é mais do que uma tecnologia. Ela se tornou um bem social indispensável para enfrentar o dia a dia, seja nos centros urbanos ou na zona rural. Nesse sentido, pode ser vista como essencial à própria sobrevivência. Não por virtudes que lhe são imanentes, mas pela forma como se impôs e a violência com que penetrou. Por isso, friso que ela “se tornou” indispensável.

Não obstante isso, sob o ponto de vista mais central da realidade humana, seria possível definir o homem como um “ser que fala”, mas não como um “ser que escreve”, o que traduz a convicção, hoje tão generalizada quanto trivial, de que a escrita é derivada e a fala é primária. Não é necessária muita genialidade para constatar que todos os povos, indistintamente, têm ou tiveram uma tradição oral, mas relativamente poucos tiveram ou têm uma tradição escrita. Não se trata, com isso, de colocar a oralidade como mais importante, mas de perceber que a oralidade tem uma “primazia cronológica” indiscutível.

Contudo, mais urgente (e relevante) do que identificar primazias ou supremacias entre oralidade e escrita, e até mesmo mais importante do que observar oralidade e escrita como simples modos de uso da língua, é a tarefa de esclarecer a natureza das práticas sociais que envolvem o uso da língua (escrita e oral) de um modo geral. Essas práticas determinam o lugar, o papel e o grau de relevância da oralidade e da escrita numa sociedade e justificam que a questão da relação entre ambas seja posta no eixo de um contínuo tanto sócio-histórico como tipológico.

Fonte: MARCUSCHI, Luiz Antônio. Oralidade e escrita. In: Signótica. 9: 119-145, jan./dez. 1997.  Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/sig/article/view/7396/5262. Acesso em: set. 2012.