Questionamentos acerca das competições esportivas no cenário educacional, na vida individual e na sociedade.
A escola ou a universidade, enquanto instituições sociais, não poderiam ser diferentes do que se observa na sociedade e em seu contexto. Os parâmetros sociais que se estabelecem no cotidiano, entre tensões e conciliações, são também experimentados dentro do espaço educacional. Nesse sentido, o fenômeno do esporte e suas consequências participam concretamente das atividades educacionais de qualquer faixa etária, representados pelos jogos e torneios, os campeonatos entre as séries ou cursos, as olimpíadas escolares ou universitárias, entre outros.
É inegável que a influência midiática do “esporte-espetáculo”, bem como os hábitos e tradições sociais, acabam por envolver também os protagonistas da educação, pois também são produtores e receptores dessa mesma cultura. Dessa forma, as ações pedagógicas tendem a ter como base os mesmos parâmetros e valores do desporto de alto rendimento.
Na atualidade, observamos que o esporte promove, nas camadas populares, o imaginário da ascensão profissional e social como um passaporte de/para a elite do país. Inúmeras vezes observamos histórias e imagens de atletas bem sucedidos que vieram de origem humilde. A mídia reforça, com isso, a ideia de que qualquer um pode se promover pelo esporte, apenas sendo necessário se destacar pela sua habilidade.
Nesse sentido, cabe o questionamento: o que fazemos com os outros milhões de jovens que também alimentam esses sonhos, que provavelmente nunca se concretizarão? Quais as políticas públicas nos esportes existentes que tentam superar a contradição entre o excludente esporte de alto rendimento e o esporte de inclusão social voltado para o significativo número de jovens nessa situação?
Outras questões para refletirmos: raramente observamos questionamentos aos repetidos clichês veiculados pela mídia, que afirmam que o esporte afasta os seus praticantes das drogas e da marginalidade; que o seu espírito olímpico purista une os povos como num passe de mágica, superando os conflitos nacionalistas, étnicos e políticos; que o esforço sobre-humano, na busca de superar os recordes, é um feito heroico que aproxima os homens aos deuses do Olimpo, ou que o esporte funciona como veículo de promoção da saúde e de uma moral firme, preconizadas como verdades inabaláveis.
Assim, devemos nos questionar: na escola, na universidade e na vida cotidiana necessitamos reproduzir a mesma lógica do campo esportivo?
Um dos compromissos sociais da intervenção escolar e universitária é atuar com concepção crítica na construção do conhecimento e na compreensão histórica das realidades sociais, com foco nas transformações necessárias em busca do bem comum e da qualidade de vida para todos.
Entretanto, esses parâmetros só podem ser experimentados se os atores da educação, a partir de suas percepções no cotidiano e da busca de respostas por intermédio de pesquisas e estudos, construírem um processo de mudanças que inclua a relativização das realidades existentes e o questionamento das instituições e de suas ações e, ainda, compreenderem o papel social das competições esportivas, sua lógica e suas consequências na sociedade.
O esporte, na atualidade, carrega em seu núcleo a concepção do alto rendimento atlético, da competição exacerbada, representada pela conquista de décimos e centésimos de segundo e pela abstração da concepção do chamado recorde, em que não só se compete com outros atletas, mas também com atletas que nem se encontram no local e, por vezes, nem sequer estão vivos.
Na construção e na organização de qualquer ação na vida deve-se levar em conta o reforço da autoestima e da prática da construção do conhecimento também através de atividades corporais. Também é importante considerar as manifestações culturais que os corpos das pessoas trazem, as quais estão impregnadas em seus movimentos, gestos, expressões e a história e identidade dos seus antepassados. Tudo isso nos permite tornar experiências da vida quase sempre previsíveis em vivências prazerosas e experiências em relação às suas identidades culturais, por intermédio do movimento humano.
Porque, então, não utilizamos jogos, desafios de grupo, gincanas e contestes nas aulas de qualquer disciplina, seja na escola ou na universidade? O que impede de se ensinar qualquer conhecimento através de brincadeiras lúdicas? Ao construirmos mudanças e reflexões nas ações de alunos e professores nos jogos, estaremos viabilizando possibilidades de transformação de atitudes nas suas vidas, além dos jogos.
Quando a criança joga, ela opera com o significado das suas ações, o que a faz desenvolver sua vontade e ao mesmo tempo tornar-se consciente de suas escolhas e decisões. Por isso, o jogo apresenta-se como elemento básico para a mudança das necessidades e da consciência (Coletivo de autores, 1992).
Enfim, é essencial oportunizar a percepção de que existem outras formas de convivência esportiva no cotidiano, além da “competição de alto rendimento” e das seduções do sucesso, do individualismo, do consumo e da padronização corporal, para que os alunos tenham a possibilidade de optar e construir seus rumos de forma consciente.
Para ilustrar ainda mais nossas reflexões, apresento o trecho de um ensaio sobre o tema escrito pelo professor Vitor Mello (IFCS-UFRJ 2007):
“...o grau de penetrabilidade do esporte por todo o mundo é impressionante. Há mais países ligados à Federação Internacional de Futebol (FIFA) e ao Comitê Olímpico Internacional (COI) do que à Organização das Nações Unidas (ONU). As duas maiores audiências televisivas do planeta Terra (poderíamos chamá-lo de Planeta Bola?) são obtidas por ocasião de duas competições esportivas: a já citada Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos.
Há informações sobre o esporte por todos os lados. A maioria dos meios de comunicação (jornais, revistas, rádios, redes de televisão, internet) dedica espaços para a divulgação das competições esportivas. A prática esportiva entra também em nossas casas pelos jogos de videogame (FIFA Soccer, NBA games, entre outros), com ela nos encontramos pelas ruas nas publicidades em outdoors, suas imagens povoam nosso cotidiano.”
Pensando o esporte como fenômeno social, observamos que a sua trajetória se confunde com a própria história brasileira e consequentemente com os seus mais diversos usos.
Segundo Melo (2007): “Desde o século XIX, com a vinculação do esporte à ideia de "saúde" (uma relação equivocadamente linear, que permanece até os dias de hoje), muitos são os produtos e iniciativas que com ele buscam se relacionar. O esporte, identificado como uma "forma de viver", lança modas e influencia nossa vida e nosso comportamento. O mercado ao redor do campo não só faz uso das imagens para vender o que deseja (roupas, medicamentos, implementos esportivos, carros, casas, cosméticos, alimentos e até mesmo cigarros e bebidas – algo que a princípio pareceria tão em desacordo com o tão mobilizado conceito de saúde – entre muitas outras coisas) como também, nesse processo, ajuda a reforçar sentidos e significados sociais, constrói maneiras de se portar, estimula hábitos, costumes, atitudes.
Por certo, por tais características, o esporte também foi e continua sendo utilizado, diversas vezes, por regimes políticos e administrações governamentais, ora como forma de investimento, ora para encaminhar suas propostas de intervenção social, ora como estratégia de propaganda de uma suposta eficácia administrativa.
Não se deve negligenciar o fato de que é um dos mais potentes elementos de construção de uma identidade nacional.
Além disso, percebe-se um consumo pouco crítico do fenômeno esportivo. Alguns autores apontam que há uma mediação perigosa de supostos “especialistas” (comentaristas, jornalistas, cronistas), que acabam por obliterar uma percepção mais completa e complexa de todas as dimensões que estão envolvidas em torno de uma prática social tão valorizada.
É importante rever a compreensão de que o esporte é um entretenimento meramente ligado a um consumo despercebido, e analisá-lo como uma diversão eivada de representações que devem ser bem identificadas pelo público.
Com isso, é importante que estejamos atentos para não reproduzir a mesma lógica do “esporte de alto nível”, em que a vitória a qualquer custo adquire papel central, mesmo que nos discursos se afirme o oposto. Deveríamos trabalhar no sentido de construir a compreensão de que a prática esportiva deve adquirir características próprias a cada espaço em que se apresenta, não sendo simulacro de outros níveis.
Enfim, o esporte não é, nem nunca foi apenas uma ingênua diversão. É, sim, alegria, festa, celebração, mas também uma manifestação cultural poderosa, influente, que envolve emocionalmente um imenso número de pessoas e que, hoje, se apresenta como uma eficaz forma de negócios, capaz de mexer com sonhos e difundir ideias, comportamentos, atitudes.”
E aí? O que acharam dessas linhas que vocês leram?
Parece que existe algo além de nossas percepções do senso comum, não acham?
Então, convido-os ao encerramento desta aula...