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TENSÕES E CONTRADIÇÕES NA CULTURA GLOBAL

gaiteiros

Olá pessoal,


Dando continuidade a nossa aula 4, vamos agora trabalhar alguns conteúdos teóricos pertinentes a discussão sobre os impactos culturais do processo de globalização.


Em linhas gerais, a literatura define a globalização cultural como o processo de intensificação e expansão dos fluxos culturais através do globo. Nesse sentido, é necessário qualificar os impactos deste processo em diferentes esferas da atividade humana.

 

Na esfera econômica, conforme discutido anteriormente, a globalização impacta os processos de produção, troca e consumo de bens. Na esfera política, as implicações se dão nos processos de geração e distribuição de poder entre grupos, sociedades e estados. No âmbito cultural entende-se que a globalização se relaciona diretamente com os fluxos de construção, articulação e disseminação de significados de cunho simbólico. Por esses conteúdos, estou me referindo à manifestação linguísticas, musicais e imagéticas como formas privilegiadas de expressão simbólica dos seres humanos.

 

Como visto em aulas anteriores, a globalização pode ser entendida como resultado de um longo processo de expansão das trocas entre sociedades humanas, que remontam a tempos ancestrais, mas que nas últimas décadas vêm ganhando em velocidade devido a sua difusão via internet e tecnologias digitais. O volume dessas trocas excedeu-se em montante e velocidade graças ao senso de urgência proporcionado por tais tecnologias.

 

Em linhas gerais, pode-se organizar a discussão sobre a globalização cultural em três problemáticas: primeiro, as tensões entre a homogeneização e a diferenciação na cultura global emergente; segundo, o papel da mídia global e dos conglomerados transnacionais de telecomunicações no processo de disseminação da cultura popular global; terceiro, o impacto do consumerismo e dos valores materialistas nas práticas de consumo e suas implicações na sustentabilidade do planeta.

 

Em primeiro lugar: a globalização torna as pessoas mais parecidas em termos de gostos, preferências, crenças, valores e práticas culturais? Ou, pelo contrário, acentua as diferenças e os traços culturais locais?

 

Parte da literatura sobre o tema, composta pelos "pessimistas hiperglobais", afirma positivamente a primeira tese, de que a diversidade e as especificidades culturais locais estão sendo suprimidas pela difusão em massa de signos da cultura global que homogeneizariam práticas discursivas e culturais. Tal processo de ocidentalização da cultura dar-se-ia a partir de formas de vida estabelecidas em cidades globais como Nova Iorque, Hollywood, Londres e Milão. Práticas culturais locais seriam fragilizadas por esse processo de normalização cultural imposto pela difusão de valores e do estilo de vida anglo-americano. Esse processo de imposição de uma cultura global, de supressão das diferenças e da imposição de padrões culturais estandardizados encontra varias denominações ao logo da sobre globalização: "americanização do mundo" ou "McDonaldização do mundo" (no entender do sociólogo norte-americano George Ritzer).

 

Entretanto, esse fenômeno de ocidentalização cultural não ocorre sem percalços nem resistências. Uma das teses mais interessantes sobre essas tensões foi levantada pelo cientista político Benjamin Barber, em seu provocante livro intitulado Jihad x McMundo (Rio de Janeiro: Editora Record, 2004), onde discute os processos de resistência ao processo de homogeneização cultural.

 

Essas formas de resistência, segundo Barber, consistem na repulsa a toda e qualquer forma de vida relacionada ao estilo de vida ocidental, que pode assumir formas mais brandas, tais como a reafirmação de identidades culturais locais, valorização de regionalismos e até mesmo a reinvenção de traços identitários ancestrais vinculados a etnias ou culturas do passado, revividos no contexto atual. Esse fenômeno, encontrado em diversas partes do globo, pode ser identificado no reavivamento de expressões musicais e coreográficas tradicionais (a gaita de foles nos países de cultura celta, a dança maori haka em partidas de rúgbi de seleções da Oceania), o rejuvenescimento de tradições religiosas ancestrais (o neopaganismo na Europa) e a redescoberta de gostos e preferências culinárias (por exemplo, a culinária peruana, considerada saudável e uma das mais prestigiadas do mundo).

 

Entretanto, tal revivescência cultural deve ser vista com muito cuidado, pois não se trata de um mero retorno à práticas ancestrais redescobertas, e sim uma reinvenção do passado no presente, a partir de reinterpretações, ressignificações e deslocamentos simbólicos das chamadas práticas tradicionais, conforme afirmam autores como Eric Hobsbwan (A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2012, 2a. edição) e Benedict Anderson (Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008,). Tais reinterpretações seriam muito mais fruto de um processo de reinvenção e hibridização cultural, uma mescla entre o novo e o antigo, entre o tradicional e o atual, do que propriamente o relançamento puro e simples de formas culturais puras e tradicionais.

 

Outra forma de resistência, com contornos políticos mais fortes, reside na reinterpretação reconstrucionista das tradições culturais ancestrais como bastiões de resistência contra as forças de ocidentalização e massificação cultural impostas pela cultura de massa global. Essa "Jihad cultural" (termo retirado da obra de Barber), assumiria contornos mais sombrios expressos em separatismos étnicos (como nos conflitos da Guerra dos Balcãs), lutas pela independência de grupos étnicos em estados multiculturais (expresso recentemente no referendo da separação da Escócia do Império Britânico) e até mesmo nos fundamentalismos religiosos de matizes e tonalidades diferentes (Al-Qaeda, o Estado Islâmico e a Guerra Civil na Síria e no Iraque).

 

Para além dos casos extremos, o fato é que podemos afirmar que as tecnologias digitais tornam as identidades subjetivas e culturais mais frágeis e instáveis, dada a aceleração das trocas de informação e conhecimento em escala global e a consequente compressão da experiência temporal e espacial. Formas modernas de identidade, baseadas na comunidade local, no indivíduo e no estado-Nação, dão lugar a novas identidades pós-modernas bem mais complexas, instáveis e organizadas ao redor de diferentes registros culturais. Daí, novas formas de hibridização cultural e de formas de vida "glocais" (globais e locais, simultaneamente) se tornarem cada vez mais frequentes, tornando toda e qualquer tentativa de definição pura de identidade um negócio arriscado, temerário e precário.

 

Vale lembrar que até mesmo Osama bin-Laden utilizava sofisticadas tecnologias digitais de encriptação e difusão de suas mensagens e comunicados para comandados e para os órgãos de comunicação global. Isso mostra o quão complexo e intrincado são os nossos tempos atuais...